Maria Isabel de Sousa Bezerra
Flavia Hellen de Sousa Bezerra

O bairro Alto da Penha está localizado na zona urbana de Crato, município que integra a Região Metropolitana do Cariri ao sul do Estado do Ceará, uma das mais antigas cidades do Ceará. De acordo com o IBGE (2010), o Alto da Penha conta com uma população de 4.038 mil habitantes, composta em sua maioria por mulheres. Apesar de possuir um vasto potencial histórico-cultural confirmado pela articulação, lutas e conquistas comunitárias frente ao Poder Público (ALTO DA PENHA: HISTORICIDADES, 2020), há também um estigma que reforça o bairro como comunidade pobre e violenta. Somando-se a isso, segundo Souza (2014), a demanda relacionada ao lixo e aos resíduos espalhados no bairro Alto da Penha são uma das principais mazelas presentes, contribuindo, inclusive, para os altos índices de Dengue em 2016.

Sob a compreensão do desenvolvimento social e do bem comum como algo essencialmente coproduzido a partir do diálogo prático entre as possibilidades estatais e a proatividade dos indivíduos, a Associação de Moradores do Bairro Alto da Penha (AMBAP), criou em 2016 o Projeto “Cultura Sustentável” como instrumento de busca pela transformação positiva do contexto social – carência financeira/alimentar, excesso de lixo e altos índices de arboviroses (PRIMO, 2017, P. 32). O projeto Cultura Sustentável, pautando-se nos princípios e possibilidades da Gestão Social e da Economia Solidária (ECOSOL), criou uma Rede Solidária (grupo de doadores de produtos e/ou alimentos), uma moeda social denominada Cafundó (cotada a um real e adquirida a partir da troca por recicláveis), além da realização das “Feiras Sustentáveis” (espaços onde os moradores trocam os recicláveis por Cafundós e com eles realizam a compra de produtos ou alimentos doados pela Rede Solidária).

Outra opção à aquisição dos Cafundós ocorre através da prestação de serviços à AMBAP, que, por meio e a partir de um Banco de Serviços, convoca moradores à execução de serviços relacionados a melhoria coletiva no bairro (capinação, pintura, restauração de ruas, esgoto, assistência a idosos associados e etc) e os paga em Cafundós, que podem ser gastos no mercadinho de mesmo nome (espaço onde ocorrem compras em cafundós e/ou troca por alimentos, além da troca de recicláveis por alimentos, ou seja, escambos de acordo com a necessidade dos moradores). Todo reciclável arrecadado é vendido e a renda destinada ao pagamento nos empreendimentos externos às Feiras Sustentáveis e ao Mercadinho Cafundó, bem como, para melhorias físicas na comunidade e/ou assistências emergenciais.

De acordo com a AMBAP, vários resultados positivos podem ser pontuados a partir dessas iniciativas: essas ações auxiliaram na redução de 90% dos focos de Dengue no bairro Alto da Penha; arrecadaram mais de 28 toneladas de recicláveis; distribuíram via Cafundós, mais de 28 toneladas de alimentos; e, com o apoio da Sociedade Anônima de Água e Esgoto do Crato (SAAEC), ampliaram a Rede Pública de Esgoto em 218 metros; dentre outros. Dessa forma, esses projetos e ações ajudaram na mudança da realidade social do bairro e na quebra da estigmatização que o associava à pobreza e a violência, agora o nome do bairro é recorrente em publicações científicas e notícias sobre práticas sustentáveis e articulação comunitária.

No Estado do Ceará apenas em Fortaleza (Banco Palmas) e no Alto da Penha há Moeda Social circulante, ressaltando-se que o Cafundó transcende a lógica capitalista/ mercadológica. Entre junho e julho de 2021, o Cafundó será reformulado para constar em suas cédulas a imagem de seus moradores ícones no âmbito social. A escolha das imagens decorre sob um processo de votação que está em curso entre os moradores. Em suma, esse processo de fomento à coprodução do desenvolvimento local, iniciado em 2016, culminou em uma nova postura observada em moradores do bairro Alto da Penha que substituíram o “Me dê uma cesta básica por que estou precisando”, por “O que posso fazer no bairro para eu ganhar meus Cafundós?”, além do auxílio no manejo Sustentável dos resíduos, seja pela consciência ou pela busca de alimentos e/ou produtos; e na ampliação e intensificação da participação dos moradores no apontar das demandas coletivas tanto para solicitar quanto para executar.

   

REFERÊNCIAS

PRIMO. R.E. (2018). “Cultura Sustentável: Protagonismo comunitário, Desenvolvimento e Sustentabilidade no Alto da Penha em Crato-CE”

SOUZA.  R.O. (2014.). “POR OUTROS MODOS DE VER A POBREZA: Narrativas imagéticas de moradores do bairro Alto da Penha em Crato – CE”.

CULTURA SUSTENTÁVEL ALTO DA PENHA CRATO – CE. Disponível em: https://www.facebook.com/culturasustentavel2016. Acesso em 10 mai. 2021.

BEZERRA.F.H.S., et al. Laboratório de Estudos Urbanos, Sustentabilidade e Políticas Públicas . Alto da Penha: Historicidades. Juazeiro do Norte, 2020. Disponível em: https://laurbs.ufca.edu.br/lancamento-cartilha-alto-da-penha-historicidades/

6 Comentários em Gestão Social e Economia Solidária na prática: Relato de experiência no bairro Alto da Penha em Crato-CE

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